No começo do mês, Oliver Sacks foi exposto como um fabulista pela revista The New Yorker. Ele é considerado um dos melhores contadores de histórias na divulgação científica. A revista mostra que ele confessava ter publicado mentiras em livros como "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu".
É uma pena. Escrever no seu diário que você mentiu, mas não fazer nada em público para corrigir-se, é nada menos que um exercício de narcisismo. É o equivalente de elogiar a própria imagem no espelho. "Querido diário, no fundo eu ainda sou uma boa pessoa, né?"
Mas não consigo ter uma decepção muito intensa. O motivo para isso é que li a autobiografia de Sacks em 2015. Nela, ele diz (e não há motivo para mentir a respeito) que foi um homem gay solitário, que passou 40 anos em celibato, que a coisa mais próxima que teve de um relacionamento amoroso foi um colega de apartamento que ele nunca tocou (se não me falha a memória). Quando finalmente arrumou um marido, já estava octogenário.
Uma das mentiras de Sacks era que ele tinha como pacientes dois savants que calculavam de cabeça números primos enormes, uma dificuldade da matemática em geral, já que os primos não seguem um padrão claro (fora a definição de número primo). Quando alguém fazia perguntas sobre esse tipo de mentira, ele desconversava, fingia perda de memória etc.
Na mesma passagem do diário em que confessa essas mentiras, Sacks menciona sua solidão. Eu não sei o que é passar quatro décadas solitário, mas imagino que isso pode levar a no mínimo algumas esquisitices. Considerando tudo o que poderia ser causado por isso, uma síndrome de mitomania até não parece a pior das consequências.